RUI NEIVA

S/Título #15524

Curadoria de Ana Cardim

 

8 JUN // 9 JUL

Rui Neiva nasceu em Sintra, em 1974. Vive e trabalha em Lisboa.

Estudou engenharia civil no ISEL, desenho no Ar.Co e pintura na Arte Ilimitada. Frequenta o 4º ano da Licenciatura em Pintura na FBAUL. Participou nas exposições colectivas Prémio Paula Rego (Casa das Histórias, 2016), Prémio CAT 30 anos (Casa das Artes de Tavira, 2016), GAB-A (FBAUL, 2015, 2016 e 2017).

Esta é a sua primeira exposição individual.

 

S/ TÍTULO # 15524

Após a reacção positiva que o seu trabalho despertou no contexto da sua participação em exposições colectivas nos últimos três anos, Rui Neiva reafirma agora o seu percurso como pintor apresentando onze óleos sobre tela como núcleo para a sua primeira exposição individual.

A noção de dicotomia adquire uma presença transversal a todas as obras aqui reunidas.

A grandiosidade da escala utilizada, quando observada à distância, potencia uma percepção bidimensional, acentuadamente gráfica, em confronto com a tridimensionalidade e plasticidade do detalhe minucioso que se pode detectar através da imersão mais intimista do observador no quadro.

De facto, apesar da obra persistir enquanto identidade coesa, ela desdobra-se exponencialmente.

As composições parecem albergar vários quadros dentro de cada tela, e estes ganham uma tal autonomia que se constituem como pontos de partida para percursos perceptivos independentes. Este fenómeno de desdobramento percorre cada obra até atingir uma escala labiríntica e microscópica conduzindo o observador a um movimento permanente de reajuste entre distância e proximidade, numa espécie de efeito zoom entre micro e macro-realidades. Quanto maior o tempo de observação maior a descoberta de detalhes e estes, por sua vez, parecem ser ampliações de algo ainda maior.

O trabalho de Rui Neiva surge-nos deste modo como uma abstracção plena de potencialidades morfológicas que abre espaço ao imaginário para milhares de possibilidades de configurações não concretizadas, permitindo ao observador uma grande abertura na construção de narrativas.

Neste sentido, a grande escala legitima-se como a dimensão adequada à especificidade destas obras, pois formatos mais reduzidos não disporiam de campo visual suficiente para que todos estes elementos se pudessem expressar na sua plenitude. Corroborando esta necessidade espacial intrínseca à obra observamos também que a ausência de margens cria aqui um efeito de expansão que parece transportar a pintura para além dos limites físicos da própria tela.

A concretização destas obras alicerça-se na articulação entre processos de adição e processos de subtracção, tanto química como mecânica, aplicados a cada tela. Neste sentido, a noção de vestígio aparece aqui como elemento estruturante, e o acaso surge, na grande maioria das vezes como uma descoberta assumida e integrada nas diversas composições. Em todos os trabalhos podemos encontrar indícios de certos arrastamentos e diversas impressões, causadas pelos mais variados objectos utilizados durante a realização destas pinturas.

 

Conjugando-se com os elementos de carácter mais subtil vinculados ao contacto directo de objectos com a tela, encontramos também as manchas de tinta projectadas com um impacto de grande intensidade expressiva, independentemente da sua maior ou menor dimensão.

Prosseguindo uma análise dicotómica verificamos que a sobreposição existente entre os distintos planos confere, a cada uma destas obras, não só uma profundidade que se vincula ao aspecto físico das camadas de tinta acumuladas sobre a tela mas, sobretudo, uma maior espessura no sentido da sua fruição pictórica. Tal como refere Rui Neiva, este processo de adição/subtracção é também uma tentativa de depuração e de procura de clareza, um ideal inalcançável que o estimula para continuar a pintar e a defender que “a última obra contém sempre todas as anteriores”.

Por outro lado interessa salientar, e apesar da acumulação de materiais implícita ao aspecto físico da referida profundidade, que o resultado final destas obras adquire um aspecto de lisura translúcida, sendo a sensação de ductilidade uma característica presente em todas as obras expostas.

Em relação à questão cromática, Rui Neiva utiliza o óleo numa paleta única de cores próprias elaboradas no seu atelier através da combinação exclusiva das três cores primárias. A selecção utilizada parece entrar em dialogo directo com a alusão a certos elementos: a aplicação de tons mais esverdeados e azulados associados à sensação de estado liquido presente na criação de atmosferas e ambientes aquáticos, a aplicação de tons mais quentes para elementos mais terrenos, e a aplicação de tons mais electricizantes no caso das barras ou faixas de estrutura compositiva.

O artista ressalva a importância do tratamento prévio da tela no intuito de anular completamente a sua trama. O fundo branco mantém assim a sua presença até ao final da obra através de zonas preservadas de posteriores aplicações de tinta. Estas aberturas asseguram a existência de diversos espaços de luminosidade em todos os trabalhos expostos.

 

Cada tela é pintada numa sessão única através de uma dinâmica performatizada que origina não só composições irregulares e assimétricas como também a repetição dissonante de alguns elementos, os quais – apesar de serem sempre distintos – nos remetem para uma aparência padronizada.

Esta dinâmica de gestualidade, aliada a uma tentativa consciente de anulação do ego, contêm em si uma certa ideia de religiosidade, potenciando estados de espírito meditativos durante o processo de fruição.

Os referentes de leveza poética subjacente às propostas visuais de Rui Neiva sugerem-nos ideias em fuga de um imaginário ilusionista: um espaço de miragem, uma paisagem textural ou desmaterializada por interferências, os bugs insubordinados de uma plotter revoltada, as falhas de toner numa impressora descalibrada, um vídeo com cortes e distorções, uma fotografia muito desgastada, a parede rasurada de um mural ou, ainda, a emissão de frequências paralelas capturadas a uma realidade espácio-temporal indefinida.

Praticamente todas as frequências gráficas deste núcleo expositivo nos remetem para um ambiente digital. Curiosamente, esta situação entra em total contradição com a postura do próprio artista, já que Rui Neiva defende a total primazia do processo manual e mecânico na concretização do seu trabalho, rejeitando com veemência o recurso às tecnologias da contemporaneidade. É certo que nenhuma máquina poderia conceber estas configurações de forma autónoma: a Pintura pode fazer tudo mas nem tudo faz Pintura.

Ana Cardim

Sintra, Maio de 2017

Fotos de Helena Salazar

A JOURNEY THROUGH SPACE AND TIME